quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O Adriano eu e o outro


Uma pequeníssima amostragem das pinturas da nave principal no primeiro andar.




A semana passada,almoçava com um amigo e colega de trabalho,quando reparei que duas mesas á frente estava também a almoçar o Adriano.Grande Adriano,preto como a escuridão,de riso fácil e rasgado,sempre as mostrar os dentes, brancos como marfim. Sempre o vi assim, de bem com a vida,trabalhador e honesto. Voltámos para as respectivas mesas, ele começou a contar ás filhas que o acompanhavam, histórias de antigamente,eu fiz o mesmo com o Paulo.
Tinha eu 17 anos,a escola não corria bem,nunca tinha chumbado,mas agora que tinha sido "obrigado" a optar por um curso,a escolha revelou-se desajustada. As opções disponíveis eram: saúde (não gosto de ver sangue);letras (era para bétinhos);química (cruzes);electrotecnia (nunca tive jeito) e mecanótecnia que eu ainda não sabia,mas também não era a melhor opção.
6 meses depois, Disse ao meu Pai que queria trabalhar,que eu não gostava daquilo (anos mais tarde,voltei a estudar...letras,pois!),e ele com um grande desgosto lá me arranjou para o mesmo local aonde ele próprio trabalhava-ampliação do Porto de Lisboa,Gare marítima de Alcântara-Rocha Conde de Óbidos.
Fui parar á serralharia, onde conheci o Adriano e outro artista que não me lembro do nome,mas sei que era uma figurinha pitoresca.
Faziamos as maiores tropolias possíveis e imaginárias,não fomos despedidos porque éramos filhos de trabalhadores responsáveis e reconhecidos lá do sitio.
Lembro-me de uma vez,do terceiro artista pegar na máquina de soldar, que era uma "Triodine" trifásica que consumia amperes que davam hoje para 10 máquinas, e começar a soldar,era para treinar,dizia ele, eu, esperto que nem um alho porro, faço sinal ao Adriano e digo-lhe que vou sacar o alicate da massa (o que faz a ligação á terra) e que está ligado á máquina de soldar.
Parece que estou a ver o Adriano com o pepsodente todo arreganhado e acenar que sim,boa ideia.
Então eu baixo-me junto á bancada,agárro-me á dita e com a outra mão assim que toco no alicate da massa para o retirar,apanho um esticão de corrente trifásica "daqueles". Por segundos os meus braços sacodem violentamente e depois sou projectado para trás uns bons 2 ou 3 metros e caio de costas, no meio da oficina com o coração aos pulos.O artista soldador,continua impávido e sereno, porque nem dá por nada. O Adriano, depois do espanto inicial, ri a bom rir,agarrado á barriga e as lágrimas a caírem pela cara abaixo. eu bem me esforçava a explicar que ia morrendo,que os meus braços ainda tremiam,qual quê!.
Quando havia cruzeiros atracados ao cais, almoçávamos á pressa para podermos apreciar as lindas inglesas ou nórdicas ou o que calhasse. Devia de ser uma figurinha curiosa a nossa,rotos e sujos,que nesse tempo lá havia fardas como hoje, a olhar para as camones e a imaginar como é que seria se uma delas,um dia, nos raptasse para dentro do navio e lá íamos nós direitos a...não sei aonde!.
Mais histórias havia para contar, mas não vou alongar mais isto.
È importante salientar que a estação ,no seu interior,é lindíssima.Tem quadros enormes do Almada Negreiros que dão uma dimensão ao espaço incrível.
Fica em Alcântara,nas docas ao lado da "salsa",vale a pena!.

4 comentários:

Ana Camarra disse...

Conde

Pois vale a pena!
E vale a pena abrires assim o teu baú de recordações, boa história, todos temos essas personagens que guardamos com carinho.
Obrigado por partilhares connosco.

Beijo

Rui Silva disse...

Ana,

È uma forma de tambem partilhar comigo.Depois de escrever isto fui para casa e a minha cabeça fervilháva de recordações.O Adriano era o meu melhor amigo,contava-me coisas de áfrica que eu adorava ouvir.As seções de voyeurismo da hora do almoço com as meninas dos cruzeiros,não só por elas,mas tambem,por aquilo que representavam,lá longe sitios que eu não conhecia.

Sunshine disse...

É óptimo recordar as histórias que fazem parte da vida, histórias picarescas que fazem abrir sorrisos, a ti e a quem te lê.

Uma partilha de momentos feita duma forma comunicativa e muito agradável de ler.

Fizeste-me recordar que o meu avô trabalhou na Gare Marítima. Uma pessoa que lembro com mt respeito.

Bjs

Rafeiro Perfumado disse...

A segunda é da lenda da Nazaré, se não estou em erro. E estou a ver que acabaste por abraçar a opção de betinho. Ei, nada de ameaçar, são palavras tuas! ;)

Abraço!