quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Bernard Moitessier



Já algum tempo que penso em iniciar uma viagem por aqueles que inspiram e inspiraram milhares de navegadores e solitários dos mares. Aqueles que seguindo o cheiro da maresia evocam o direito á liberdade.
" O seu barco chamáva-se "Joshua", um nome evocador de 46.000 milhas de aventuras, um nome mítico para um robusto Ketch em aço, com 12.07 m de comprimento e 3.68 m de boca. Bernard Moitessier, sem dúvida alguma, foi o filho espiritual de Joshua Slocum. E pai de uma multidão de aventureiros, de libertários, de não-conformistas do mar, de vagabundos dos brandais. As suas lendárias viagens são conhecidas de todos os marinheiros, os seus escritos, especialmente " A longa rota", juntaram-se a "Sozinho á volta do mundo num veleiro de onze metros", do seu venerável antecessor, (Joshua) na biblioteca de bordo, por cima da mesa de cartas. Penetrar no universo de Moitessier é entrar numa religião multiteista onde o vento, o mar e os astros são deuses, a lua uma deusa, de quem os homens nos seus barcos são os únicos fiéis. Partir com Moitessier é alterar o rumo durante a viagem, é arriscar-se a não regressar. Aviso aos amadores."
Nasceu na Indochina em 1925, nascido numa família de emigrantes, era uma criança turbulenta. Pouco atraído pela profissão do pai iniciou as primeiras navegações no golfo do Sião, com os pescadores asiáticos. Jovem, com convicções, foi aprisionado pelos japoneses durante a segunda guerra Mundial, por ter içado a bandeira francesa na varanda.
Durante a guerra da Indochina foi desmobilizado da marinha porque confessou-se incapaz de disparar a sangue-frio contra o inimigo. Navegou em Juncos (barcos tradicionais chineses). Comprou um Ketch (veleiro de dois mastros) de 12 metros que mal flutuava e acabou por se afundar de velhice. Depois de varias viagens iniciáticas com o "marie Thérese " voltou a França e vivendo de alguns trabalhos difíceis, mandou construir o "Joshua", os mastros eram postes telegráficos aproveitados, já que as condições não permitiam outro material.
Nova partida, desta vez acompanhado por Françoise, percorreram as Antilhas, entraram no pacifico pelo canal do Panamá e instalaram-se em Taiti numa outra vida, num outro mundo, até ao dia de 1966 em que o regresso foi decidido e realizado de uma só tirada, de Taiti a Alicante.
A travessia de 14.000 milhas sem escala, foi saudada com o merecido valor pelo público e pela imprensa que despertava para a vela de cruzeiro. Publicou então o "Cabo Horn á vela" que obteve bastante sucesso, estava lançada a lenda do vagabundo dos mares.
Durante o inverno de 1968, Bernard, recebeu a visita de um emissário do Sunday Times, que estava a organizar uma regata á volta do mundo em solitário e sem escalas e fazia questão absoluta da presença do navegador francês na linha de largada. O primeiro navegador a entrar no porto de origem receberia um globo de ouro e 5.000 libras esterlinas.
Moitessier, o nómada que imaginara a sua própria volta ao mundo sem condições, começou por recusar o conceito de uma regata. Acabou por aceitá-la e cortou a linha de largada a em Plymouth, em 22 de Agosto de 1968, não sem ter recusado embarcar um posto emissor oferecido pelo Sunday Times a quem devia, não obstante, dar a conhecer regularmente a sua posição e transmitir reflexões, filmes ou fotografias, por todos os meios ao seu alcance.
Rumou ao Cabo da Boa Esperança, empurrado por uma bela brisa. Ventos muito fortes sucederam-se até ao Cabo, onde o Joshua se deixou abalroar por um cargueiro sem consequencias de maior. O Indico recebeu a embarcação com os seus lendários humores. Deitado com violência, a sul do farol das agulhas, o valente Ketch endireitou-se corajosamente, contrariamente ao moral do seu comandante que tanto subia na crista da vaga como mergulhava na espuma!
"Viver com o mar, viver com as aves, viver com o presente, saber que tudo se resolve com o tempo(...)" Bernard sentia a depressão do solitário. Só uma gralha domesticada lhe fazia por vezes companhia.
Navegava havia 4 meses quando confiou um novo pacote com noticias a pescadores do Sul da Tansmânia. Brevemente o Pacifico abriria as portas ao navegador solitário e lhe oferecia uma amostra do que era capaz. O cabo Horn, severo guardião do Atlântico, deixou-se atravessar obedientemente.
Moitessier, empreendeu calmamente a Ascenção para norte, rumo a uma vitória e á gloria que lhe estendia os braços em Plymouth. Mas partir de Plymouth para regressar a Plymouth transformou-se," com o correr do tempo, em partir de nenhum lugar para ir para lugar nenhum".
Repentinamente veio a decisão, aquela que, aos poucos, se vinha forjando naquele homem só com o seu barco,"com o mar imenso só para eles", Abandonou a regata e rumou a Este, rejeitando definitivamente um regresso impensável á civilização. Foi a 28 de Junho de 1969.
" Contudo, Deus sabe que amo os meus filhos. Mas todas as crianças do mundo se tornaram meus filhos e é de tal modo maravilhoso que gostaria que eles pudessem senti-lo como eu sinto(...). Como dizer-lhes que os barulhos da água, os barulhos do silêncio e das bolhas de espuma sobre o mar, são como os barulhos da pedra e do vento? E que isso me ajudou a escolher a minha rota. Como dizer-lhes que elas me conduzem para a verdadeira terra? Dizer-lhes isso sem que sintam medo, sem que pensem que fiquei louco."
..." E apresento queixa contra o Mundo moderno; é ele o monstro. Destroi a nossa terra, amarfanha a alma dos homens."
Textos extraídos , alterados e adaptados do livro" O Grande Livro Da Vela, aventura e prática da navegação de Michel Deshors.

11 comentários:

Teté disse...

Os tempos que correm raramente premeiam lobos solitários vagueando pelos mares. Mas gostei da história e do homem de convicções, que tira essas conclusões tão verdadeiras!

Beijocas!

Paulo Lontro disse...

Um dia vais tu, partir para uma aventura no mar.
:)

Anónimo disse...

E eu aqui no Rio, às vezes iludido de não perceber a minha insignificância face a estes Homens...

almagrande disse...

Bom dia Conde, gostei muito.

jc disse...

Bernard Moitessier, o Homem que nos faz sonhar.A companheira dele lançou neste Verão um livro onde conta histórias de viagens que ele não pode contar.O livro chama-se 56000 milhas, infelizmente não foi editado em Português, está à venda aqui ao lado, no país vizinho.Quando passar por lá vou comprar.

Madalena disse...

Linda esta frase:

"Viver com o mar, viver com as aves, viver com o presente, saber que tudo se resolve com o tempo(...)"

Sunshine disse...

" ... Como dizer-lhes que os barulhos da água, os barulhos do silêncio e das bolhas de espuma sobre o mar, são como os barulhos da pedra e do vento?..."

Obrigado pela partilha do teu conhecimento nesta área ....

ler e sonhar ... as aventuras vividas por pessoas com firmes convicções ... que seguem o seu rumo ... a sua vontade ...

um dia serás tu a dar esse testemunho ...

Bjs ... e já agora um bom fds

Rui Silva disse...

Teté,
Tens razão, os tempos modernos não querem saber de quem abdica da sociedade para viver a vida, não há heroismos nem páginas de jornais, nem multidões nos cais á chegada, no entanto, milhares por esse mundo preferem o canto da natureza ao rosnar cálido e perverso da sociedade dita civilizada.

Paulo,
Só saberei quando for, mas posso afirmar que agora, tudo o que faço é no sentido de um dia.... .

Pedro,

Bem vindo por aqui e começo por dizer que não podia estar mais em desacordo contigo. Quem tem uma vida dedicada a ensinar os outros não pode nem deve menosprezar-se tanto.

Alma Grande,

Obrigado, a historia destes homens faz com que olhemos para o canal de saida com outros olhos.

JC,

Não sabia, que boa noticia que me daz, tambem quero.

Madalena,

È linda a frase sim, vivê-la deve ser uma coisa do outro mundo.

Peter Mary disse...

:)
A falta de tempo e demasiadas coisas em "maos" e na cabeça têm me impedido de vir aqui...
Sobre o Moitessier, para mim, é dificil ate escrever sobre o assunto. Tem muito a ver sobre um certo modo de encarar a vida em si e sobre a liberdade em particular.
Ele foi, e continua a ser, uma referencia para certas pessoas que tenham, ou não, barco.
O meu primeiro barco era da cor do Joshua e não por acaso (como deves calcular...).
Vou voltar a escrever no meu boteco, depois passa por lá... tem a ver com motas e sobre este post
Abraços

Dr.do absurdo disse...

Opa, valeu pela visita ao meu blog.

Abração

marco barbieri disse...

Modos de vida completamente diferentes,melhor assim,viver para acumular bens para que??Muito melhor acumular boas experiencias pelos mares do mundo.Deus nos deu o mundo inteiro e seus mares para que nos maravilhassemos a cada dia,e nós vivemos parados,com medo da perda do que acumulamos,vivemos o futuro sem viver o presente pensando ser eternos e assim morremos sem ter vivido,estou me preparando para pegar o mar,e só isso já é uma grande aventura,o inicio de muitas outras,
Um Abraço a todos,e bons ventos....